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domingo, 30 de janeiro de 2005

 
Anselm Kiefer (5)


A. Kiefer, Isis and Osiris, 1986, 101x141 cm.


Je parle de la douleur qui peut naître face à l'univers, et donc aussi face à la non-appartenance.

A un moment donné, il est beaucoup plus important de penser à soi-même, non par égoïsme, mais pour se poser les questions avant de parler des autres. Et c'est ainsi: le point de départ peut être très différent. Par exemple, acquérir, par l'expérience personnelle en tant que matériau et par le travail, la précision croissante. Du travail sur la matière - comme le collecteur de rayon lumineux chez Valentinus - vient ensuite le revirement, le passage du personnel à l'extrapersonnel. Ce qui en ressort, j'y suis attaché d'une manière paradoxale, et simultanément je n'ai plus rien à faire avec. Le lamento est dépassé.

Je crois qu'il existe des possibilités d'expériences et des vérités totalement différentes. Quelqu'un peut être satisfait dans les circonstances actuelles parce qu'il ne les voit pas telles que je les vois. Mais j'ai le vertige quand j'entends quelqu'un dire: "Il est satisfait parce qu'il ne sait pas qu'il est insatisfait".

Je voudrais encore dire quelque chose sur Picasso considéré comme révolutionnaire: une révolution dans l'histoire de l'art est quelque chose de virtuel, en relation avec ce qui se passe ou doit se passer dans la société. L'art ne peut pas provoquer une révolution dans la société. Il est le signe avant-coureur de cette révolution.

L'art et la vie sont sans doute deux domaines séparés. Mais ils sont, à un stade donné, décalés l'un par rapport à l'autre.

A. Kiefer in Bâtisson une cathédrale, 1986.



A. Kiefer, The secret life of plants, 1997, 103x80 cm

sábado, 29 de janeiro de 2005

 
Anselm Kiefer (4)


A. Kiefer, Icarus - March Sand, 1981, 290x360 cm


Je n'ai, dans mon travail et dans mon débat, ni l'idée ni le préjugé de l'homme au centre. Pour moi, il n'est pas non plus établi qu'il faille créer une centralité ou un vis-à-vis vers lequel nous puissions travailler.

Mon intention n'est absolument pas de faire attention à ce qui est bon pour moi, mais d'établir le point où commence le travail.

Un travail artistique, c'est ce qui passe à travers moi comme un exemple à saisir, aussi précisément que possible, par beaucoup de personnes. Je ne peux rien faire d'autre que ce qui passe à travers moi. Mais ça ne veut pas dire que cela ne vaut que pour moi-même. Je me vois comme un exemple entre beaucoup d'autres exemples. Je voudrais, avec mes sens, appréhender quelque chose qui n'est pas, sur le moment, appréhendé par tout le monde. C'est en cela que je crois, et c'est cela que je veux diffuser. Je n'ai pas, ou pas encore, la conscience et l'espoir de Beuys, qui me permettraient de croire que les êtres humains se dirigent vers un point précis où ils seront tous des artistes. Je pense qu'il y a des artistes et des non-artistes. Pour le moment, je pense qu'il en a toujours été ainsi et que cela restera toujours ainsi. Il n'est pas clair non plus, pour moi, que nous sommes le centre du monde. Nous avons parlé de dieux qui sont tristes sans les hommes. Et il pourrait peut-être exister des dieux qui n'ont aucune rapport avec les êtres humains. En tant qu'artiste, je crois qu'il est possible de représenter ces puissances. Je sais que cela semble absurde, quand on dit que l'homme pourrait peut-être appréhender quelque chose, pressentir une puissance qui n'est pas en rapport avec lui. Mais c'est peut-être précisément cette capacité qui distingue l'artiste du non-artiste.

A. Kiefer in Bâtissons une cathédrale, 1986.



A. Kiefer, Interior, 1981, 287x311 cm

sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

 
A quem estiver a ler-me


Foto de Mario Vidor

Tu és invulnerável. Não te deram
Os números que te regem o destino,
Certeza da poeira? Não será
Teu tempo irreversível o do rio
Em cujo espelho Heraclito viu símbolo
Do que é fugaz? Aguarda-te esse mármore
Que não lerás. Sobre ele já estão escritos
Uma data, a cidade e o epitáfio.
Sonhos do tempo são também os outros,
Nem firme bronze nem oiro fulgente;
O universo é como tu, Proteu.
Sombra, irás para a sombra que te espera,
Fatal, na conclusão dessa jornada;
Pensa que de algum modo já estás morto.

J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.

 
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Correio da Cassini



Mimas, pequena, ao longe, nessa imensidão, é iluminada pelo Sol, rei do sistema, indiferente às escalas, aos pesos, aos destinos. Saturno, imponente, vigia.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

 
Suástica. Notas sobre simbólica.

Na semana em que se comemora sessenta anos sobre o fim do Holocausto, com a libertação, pelas tropas russas, do campo de Auschwitz que ocorreu a 27 de Janeiro de 1945, veio a lume a ideia, apresentada no parlamento europeu, da proibição do uso do símbolo da suástica na Europa para quaisquer efeitos, inclusivé de carácter religioso, o que, muito naturalmente, sobressaltou a comunidade hindu residente no Ocidente. Com efeito, a suástica é um símbolo da maior importancia no hinduísmo, com leituras a vários níveis, sempre no plano da espiritualidade.
A ideia dos parlamentares europeus, nomeadamente ingleses (mas não só), de propôr a proibição de um símbolo ancestral e primordial, revela, por si só, o nível de aculturação e de total e completa ignorância a que se chegou relativamente à tradição cultural do Ocidente e, mais genéricamente, à tradição de uma ciência simbólica com raízes à escala planetária e disseminações de carácter exotérico, a nível religioso, quer no Oriente, quer no Ocidente. Com estes níveis de ignorância relativamente à tradição e à cultura, perguntar-se-à, legítimamente, que Europa estará a ser construída? Pois, como é óbvio, passando apenas ligeiramente a linha da infantilidade, a utilização de um símbolo como a suástica pelo III Reich, não desvirtua nem desqualifica o símbolo, nem muito menos o transforma, demonstrando apenas o carácter abusivo e profano de tal utilização. Aliás, isto é verdade não só para o símbolo da suástica, mas para todos os outros símbolos de carácter tradicional que são hoje usados e abusados, a maioria das vezes, funcionando apenas como meras sinalécticas de marcas industriais ou comerciais. Estas utilizações profanas não desvirtuam o "lado interno" dos símbolos, confirmando apenas a sua característica mais profunda: a capacidade de velarem ou revelarem, consoante a capacidade e o nível de conhecimento de quem os lê.
Se, por um lado, ao longo da história do Ocidente, assistimos por mais de uma vez à condenação radical da utilização profana de elementos simbólicos, no mundo contemporâneo assistimos agora à posição de sinal contrário, ou seja, à condenação dessa simbólica por ter sido utilizada de modo profano. Quer uma quer outra posição nos remetem para tempos culturalmente obscuros e, se a primeira se caracterizava por um fundamentalismo desenfreado, embora, pontualmente, com resultados eficazes, mais não fosse pela aniquilação física dos profanadores, a segunda pauta-se pela mais profunda irracionalidade e infantilismo, pretendendo minar e destruir um edifício que, como diria o nosso Pessoa, está defendido ab origine symboli, por condições e forças muito especiais que o tornam indestrutível de fora.
Com efeito, a suástica - ou svástika, termo sânscrito, com a derivação sauvástika - é um traçado geométrico ancestral que se inscreve, simbólicamente, no vasto grupo que poderemos classificar de símbolos de centralidade. Ainda hoje, o termo original sânscrito (svástika) é usado nos meios rurais da Lituânia e o símbolo traçado pelos agricultores nas suas casas como talismã protector. É de notar, aliás, que o lituano é, de todas as línguas europeias, a que mais semelhanças tem com o sânscrito.
A suástica, embora com grande difusão no Oriente, está longe de ser um símbolo de carácter oriental. Encontramo-lo difundido um pouco por todo o lado, do extremo Oriente ao extremo Ocidente e também muito comum aos povos índios norte-americanos. Na Antiguidade, encontramo-lo particularmente entre os Celtas e na Grécia pré-helénica. No Ocidente, a suástica foi primitivamente um dos signos de Cristo e foi usado na simbólica cristã até à Idade Média.
Pertencendo ao grupo de símbolos de centralidade, a suástica é, mais específicamente, um símbolo dito polar. Geométricamente é um símbolo cujo traçado se prende com o círculo e com a cruz. Certas escolas do esoterismo islâmico atribuem à cruz um valor simbólico da maior importância, apelidando de "estação divina" (el-maqâmu-l-ilâhi) o centro da cruz, o qual é designado como o lugar onde se unificam todos os contrários e onde se resolvem todas as oposições. A ideia expressa é a ideia de equilíbrio, embora, de um ponto de vista externo, se confunda com a ideia de justiça. Esse centro da cruz, lugar do cruzamento dos dois eixos, relaciona-se com a ideia platónica de virtude, ou seja, com o que Platão qualificava como o justo termo entre dois extremos. Este lugar é também, na concepção platónica, apelidado de "invariável meio", ideia retomada por Aristóteles ao falar do "motor imóvel", centro que resume todos os estados da existência e é, por assim dizer, como que um reflexo do Princípio. Esta concepção de "invariável meio" surge-nos também na tradição iniciática ocidental, por exemplo, na forma maçónica de "câmara do meio", lugar onde se reúnem os mestres.
A rotação destes eixos desenha naturalmente a circunferência, permanecendo imóvel o centro o que explica a expressão hindú de "ordenador interno" (antaryâmî). Esse centro imóvel corresponde ao Princípio imutável, origem de todo o movimento, governado por ele, conservado por ele, sendo a conservação da ordem do Mundo, de certa forma, considerada como um prolongamento do acto criador.
Se considerarmos o nosso traçado tridimensional, é fácil visualizarmos uma esfera rodando sobre os seus eixos, um pouco como o que acontece com o nosso globo terrestre. Quando esta esfera cumpre a sua rotação, há, para além do centro, dois outros pontos que permanecem fixos: são os pólos. É por isto que a ideia simbólica de Pólo é correspondente à ideia de Centro. Este simbolismo polar, no contexto mais vasto dos símbolos de centralidade, reveste-se de múltiplas formas e podemos encontrá-lo igualmente em quase todas as culturas antigas.
Ora, uma das figuras mais notáveis que expressa justamente as ideias expostas é a suástica. A suástica ou svástika é essencialmente um símbolo polar. Foi, ao longo dos séculos, associado ao fogo, sendo por isso considerado por alguns autores como um símbolo solar e não pertencendo aos símbolos de centralidade. Mas as suas relações com a família dos símbolos solares só pode ser lida pontualmente e de forma indirecta. A suástica é essencialmente um símbolo do movimento mas não de um movimento qualquer. Trata-se do movimento dos eixos relativamente a um centro imutável. Só que aqui a rotação dos eixos não desenha uma circunferência. O movimento rotacional dos eixos relativamente ao centro é expresso através de traços perpendiculares aos eixos e que indicam a direcção do movimento. Sendo a circunferência uma representação do Mundo, a suástica, não sendo uma figura do Mundo, indica a acção do Princípio sobre o Mundo.
Geométricamente, se considerarmos a esfera e não a circunferência, o traçado do símbolo sobrepõe-se ao plano equatorial e então o ponto central será a projecção do eixo sobre esse plano, que lhe é perpendicular.
Relativamente ao sentido da rotação, indicado pelas linhas perpendiculares aos eixos, este tem, do ponto de vista simbólico, apenas um significado secundário, sendo uma o contrário da outra. Este fenómeno é comum a muitos símbolos, podendo dar-se o exemplo do crisma constantino, P ("ro") que muitas vezes se encontra invertido.
Outras informações fundamentais relativamente à importância da suástica nas tradições iniciáticas do Ocidente prendem-se com a sua relação íntima, enquanto símbolo polar com a letra G, cuja posição normal, no simbolismo maçónico, é igualmente "polar", estabelecendo uma evidente relação com a letra I, que representa o primeiro nome de Deus na iniciação medieval dos Fedeli d'Amore. Aliás, não deixa de ser curioso que a evocação de Deus, nos antigos manuais da maçonaria operativa, através da palavra God, representava, não literalmente a palavra inglesa que significa Deus, como a maioria dos leitores profanos consideraram mas, mais propriamente, as iniciais das palavras hebraicas Gamal, 'Oz, Dabar, que significam Beleza, Força, Sabedoria.
Mas a letra G está também associada aos interrogatórios maçónicos dos antigos catecismos, nomeadamente, no interrogatório para o grau de Companheiro, quando à pergunta "What does that G denote?" se responde expressamente "Geometry". Ora, aqui o termo Geometry, expresso também através da letra G, é um substituto do equivalente grego gamma. Assim, o conjunto de quatro gammas colocados em ângulo recto desenha a suástica que surgia como o nome divino Iah e em relação com o primeiro dos três Grandes Mestres do sétimo grau da antiga maçonaria operativa. A suástica era também chamada de gammádion. Na tradição iniciática do ocidente, este traçado tinha verdadeiramente um valor ecuménico.
Consideradas estas breves notas relativamente à suástica, entender-se-à o ridículo em que incorrem os parlamentares europeus nesta proposta de proibição do símbolo.

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

 
Anselm Kiefer (3)



Autrefois, l'art avait quelque chose à voir avec la science ou l'art de commande religieux. L'art était très populaire à l'époque. Existe-t-il encore, aujourd'hui, un art populaire? Je ne crois pas qu'il existe, mais on peut se demander si le cinéma, ou quelque chose comme ça, n'a pas repris à son compte ce qui était autrefois la mission de l'art.

Nous n'avons pas le pouvoir de modifier extérieurement quelque chose d'effectif. Nous avons seulement le pouvoir de le voir avec nos yeux et de le proposer tel que nous le voyons.

C'est ce qui nous sépare des errances que l'on a connues en 1968 et plus tard, quand on a cru qu'on pouvait changer la société par la littérature et par l'art. Les choses ne marchent pas comme ça.

L'image est un fait que l'on peut appréhender d'un seul regard. La littérature ressemble plus à un fleuve.
En d'autres termes, une image met quelque chose au repos.

On évacue tout ce qui avait quelque chose de spécifique, tout ce qui était lié au cosmique. De la même manière, on ne parle plus de travail, mais d'emploi.

A. Kiefer in Bâtisson une cathédrale, 1985.



A. Kiefer, Painting=Burning, 1974, 220x300 cm.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

 
O despertar


Foto de Kalina Wlodarczyk

Entra a luz e ascendo inertemente
Dos sonhos para o sonho repartido
E as coisas recuperam o seu devido
E aguardado lugar e no presente
Concentra-se, opressivo e vasto, o vago
Ontem: as seculares migrações
Das aves e dos homens, as legiões
Que o ferro destruiu, Roma e Cartago,
Também regressa a quotidiana história:
Meu rosto, minha voz, receio e sorte.
Ah, se aquele outro despertar, a morte
Me apresentasse um tempo sem memória
Do meu nome e de tudo o que fui sendo!
Se nesse dia houvesse esquecimento!

J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.


Foto de Loic Peoch

domingo, 23 de janeiro de 2005

 
Anselm Kiefer (2)




Je crois que le marché renvoie aujourd'hui au petit-bourgeois une image de lui-même où il se voit comme un bourgeois et un mécène.

C'est sans doute parce que la qualité s'est transformée en quantité. Il existe de très nombreux collectionneurs, des petits et des moyens, qui vivent sur quelque chose qui n'existe plus. C'est comme si quelqu'un qui a acheté du sel de mer se disait qu'il est à la mer. Car le nombre des artistes n'a pas augmenté, et le nombre des collectionneurs non plus.

La question que je pose à present, c'est: où sont nos commanditaires, dans le sens le plus large du terme? Pour qui travaillons-nous?

J'ai étudié de très près le bâtiment de Mies van der Rohe, quand j'ai vécu pendant un mois à Krefeld. Son idée du paysage n'est pas simplement rationaliste, elle reflète aussi l'illusion allemande. Le paysage est une tragédie, quand on regarde par la fenêtre. Ce n'est pas seulement l'homme qui donne un ordre aux choses, c'est beaucoup plus que ça. La fin avérée de la bourgeoisie allemande se reflète dans le moindre détail, avec toutes ces choses vertueuses, de l'espace au jardin.

A. Kiefer in Bâtisson une cathédrale, 1985.



A. Kiefer, Wayland's Song, 1982, 280x380 cm

sábado, 22 de janeiro de 2005

 
Anselm Kiefer




Les deux choses, l'invention de la perspective pendant la Renaissance et l'autre point de vue des impressionnistes, sont provisoires. Tout comme la représentation des surfaces par les impressionnistes, la perspective centrale n'est qu'une apparence.

La perspective et l'impressionnisme étaient des tentatives provisoires sur l'épiderme de l'univers, parce qu'on a eu peur de regarder en dessous. Le cubisme est une structure de l'ordre. L'un comme l'autre, l'épiderme et l'ordre, sont aujourd'hui impossibles.

Chez les impressionnistes, la contingence, dans la composition, doit aussi être plus ou moins comprise comme une réaction. Et la réaction de Cézanne doit être comprise comme une réaction dirigée vers les impressionnistes. On ne peut pas balayer les impressionnistes d'un revers de main: ils sont importants comme vis-à-vis dialectiques. Ils avaient l'idée de la dissociation, voulaient représenter la lumière en soi. Moi aussi, cela m'ennuie souvent, mais il y a aussi une idée derrière cela. L'atomisation est aussi une idée moderne.

A. Kiefer in Bâtissons une cathédrale, 1985.



A. Kiefer, Resurrexit, 1973, 290x180 cm

sexta-feira, 21 de janeiro de 2005

 
Sartre

Drogue enconre. La vraie drogue de Sartre ce n'est ni la mescaline ni la corydrane, c'est l'écriture.Shooté à l'écriture. Drogué à la littérature. Et le Castor dans le rôle du dealer qui, pendant la guerre, lui fournit, à Brumath, en Alsace, au besoin en venant elle-même, sa dose d'encre, de carnets, de livres, de papier. Il ne lit pas, il écrit. Il n'écrit pas un peu, il écrit tout le temps. Cette main folle, comme on dit d'une patte folle. Cette main qui court sur la feuille, qui galope, qui ne s'arrête jamais a l'effet produit ou à la formule. "Il n'était plus qu'une main qui écrit", disait Mauriac du dernier Proust. De même Sartre racontant dans Les Mots, comment sa plume va parfois "si vite", qu'il en a "mal au poignet" et retrouvant donc, là aussi, contre toute attente, le geste de la folie-Proust. Cette compulsion. Cette possession. Cette écriture machinique, donc machinale, sans maîtrise, à plume abattue, presque obscène. Cette fuite en avant qui fait de l'écriture une pratique étrange, étrangère, à la limite du propre, loin de toute identité. Et puis l'impression, au bout d'un moment, par le seule travail de la main, par la seule puissance des mots frottés aux autres mots, de voir les images frémir, bouillir, entrer en surfusion, s'assembler. L'écriture comme une névrose? Sartre dira cela. Il dira: une "maladie". Ou des "hernies". Ou un "cancer généralisé". Et ce sera même, on le verra, le thème principal des Mots. Mais ce qu'il dit déjà, ce qu'il a toujours dit et qu'il réprésentera julqu'à la fin, c'est que l'écriture est une drogue. Une vraie drogue. Une auto-intoxication permanente de l'écrivain par lui-même et de la litérature par ses propres charmes et toxines. Tous les écrivains savent cela. Tous les fous de mots ont l'expérience de cette polymérisation des mots par les mots. Zéro mots tant que je suis em régine normal. Non pas: "moins" de mots, mais "zéro", vraiment "zéro" - les mots qui se consument, la phrase qui ne prend pas, s'étiole, se défait, refroidit et puis, tout à coup, quand le vide s'est fait autour des mots, quand il ne reste plus qu'eux, les mots, dans le vide de l'âme centrifuguée, quand se sont créées, autrement dit, les conditions de la surchauffe, les syllabes qui coagulent, la phrase qui lève et prend forme, tout l'imaginaire de l'écrivain qui entre en ebullition - l'exacte descritption de l'effet, dans une âme, des amphétamines et de la drogue. Sartre, dans son entretien avec Sicard: "c'est très rare que j'aie pensé pour écrire; je me mets au travail; et, en même temps que j'écris, j'analyse, je raffine, rendant l'idée plus nette ou plus rationnelle" et, plus loin: "l'inspiration n'est pas une idée qui naît brusquement dans la conscience et se développe; elle est au bout de la plume; je ne fais pas de différence entre inventer le détail et écrire, ça n'est même pas chronologiquement différent". Donc, les mots. L'écriture comme une raffinerie de mots. Le souci maniaque, obstiné, de la quantité de mots raffinés, cette drogue. Baudelaire: "il faut être toujours ivre, tout est là, c'est l'unique question". Ivre de quoi? "De vin", si vous voulez. Ou de corydrane. Mais aussi, "à votre guise", de "vertu" ou de "poésie". La ligne-Sartre.

In, Le Siècle de Sartre, Bernard-Henri Lévy, Grasset, Paris, 2000.

Um obrigado ao Alicerces.

 
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Hoje




Hoje, 21, a partir das 6,30 h. da tarde na Education classroom do MoMA, em Nova York, William Anastasi estará presente para falar do seu percurso e obra, processos criativos e problemas da arte contemporânea. William Anastasi é, desde os anos 60, um dos mais importantes autores na área da arte conceptual experimentando um conjunto inovador de expressões que vão da manipulação fotográfica à instalação, ao texto e ao som.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

 
Os dons


Foto de Philippe Pache


Foi-lhe oferecida a música invisível
que é o dom do tempo e que no tempo cessa;
foi-lhe oferecida a trágica beleza,
foi-lhe dado o amor, coisa terrível.

Foi-lhe dado saber que entre as mais belas
mulheres da terra existe apenas uma;
pôde uma tarde descobrir a lua
e com a lua a álgebra de estrelas.

Foi-lhe dada a infâmia. Docilmente
foi estudando os delitos que há na espada,
a ruína de Cartago, a tão esforçada
batalha do Oriente e do Poente.

Foi-lhe dada a ilusão que é a linguagem
e foi-lhe dada a carne, que é só barro;
também o pesadelo mais bizarro
e o que num espelho vê a nossa imagem.

Dos volumes que o tempo acumulou
foram-lhe concedidas umas folhas;
de Eleia, uns paradoxos à escolha
que o desgaste do tempo não gastou.

O erguido sangue do amor humano
(a imagem é de um grego) foi-lhe dado
por Aquele cujo nome é uma espada
e que à mão dita as letras, soberano.

Outras coisas lhe deram e os seus nomes:
o cubo e a pirâmide e a esfera,
a areia inumerável, a madeira
e um corpo para andar por entre os homens.

Foi digno do sabor de cada dia;
eis a tua história, que é também a minha.

J. L. Borges in Atlas, 1984.



Foto de Kalina Wlodarczyk










 
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Correio da Cassini

Serão ciúmes? Será que a Cassini está ciumenta com todo este protagonismo da Huygens? Talvez...
Envia-nos esta fotografia enigmática de Iapetus. Já há uns dias que, quase de repente, os cientistas voltam-se para esta imagem. Mistério total... O que é aquela estrutura que, como uma imensa cicatriz, percorre toda a região equatorial da lua, como se os dois hemisférios se tivessem juntado ali, deixando aquela marca?



quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

 
Cosmogonia


Foto de Robert Asman

Nem treva, nem o caos. A treva, à toa,
Requer olhos que vejam, como o ruído
E o silêncio requerem o ouvido
E cada espelho a forma que o povoa.
Nem espaço, nem tempo. Nem a viva
Divindade que ainda premedita
O silêncio anterior à primitiva
Noite do tempo, que será infinita.
O grande rio de Heraclito, o Obscuro,
Não encetou o curso oculto e lento
Que do passado flui para o futuro,
Do esquecimento flui prò esquecimento.
Qualquer coisa que sofre. Algo que implora.
Depois a história universal. Agora.

J.
L. Borges in A Rosa Profunda, 1975.


Foto de Robert Asman

 
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Resposta ao BdeE

Diz Filipe Moura no Blogue de Esquerda, a propósito de uma entrevista a Edgar Pêra: “Sendo eu um firme defensor da democratização do conhecimento e da cultura, fiz um reparo sobre o "conhecimento só partilhável por especialistas", uma ideia que sempre me pareceu elitista. É claro que tecnicamente tal será verdade, mas tem sempre de haver maneira de exprimir esse conhecimento (as ideias principais) de maneira a um leigo interessado poder entendê-las. Cientistas, investigadores, professores e artistas devem ter essa preocupação, até por uma questão básica de consideração para quem lhes paga - cientistas e artistas usam frequentemente apoios e subsídios. (E aqui afirmo que são principalmente os cientistas a ter esta preocupação. Nos artistas e nas "elites culturais", em geral nem vê-la. Daí estes meus textos.)”

Meu caro Filipe Moura: você está completamente enganado. Primeiro, essa tremenda confusão entre o aspecto laboral do artista e quem lhe paga. A grande maioria dos artistas em Portugal, para sua informação, corre por sua conta e risco. Exceptuando alguns casos pouco explícitos de promiscuidade entre arte e poder, a grande maioria dos artistas rejeita qualquer relação com o poder e sofre (e tem sofrido) por isso consequências que, para quem está por fora do meio, são inimagináveis. A produção é muitíssima, infinitamente mais do que, por exemplo a do funcionalismo público, esse sim, na sua grande maioria, vivendo à custa de subsídios, política/correctamente apelidados de salários (no velho vocabulário salazarista e paternalista) mas que não passam de subsídios para uma produção quase nula.
Mas o problema mais grave que se põe aqui não é este. O problema passa pelas fronteiras sempre mal entendidas pela esquerda entre o individual e o colectivo e, principalmente, pelo desentendimento da consciência enquanto fenóneno individual. Hitler usou-se disso, conscientemente. Staline, também. A ideia de que existe uma consciência colectiva é uma das maiores falácias do século XX. A consciência, a procura do conhecimento, mais profundamente, o desejo do conhecimentro, são do âmbito do individual. Não do colectivo. E o encontro, por vezes luminoso, com essa descoberta, com esse conhecimento, por vezes indizível, é da ordem do individual, não do colectivo. Quando você fala da democratização da arte, do que você está a falar realmente é da explicação do fenómeno artístico ou, mais concretamente, da explicação da obra de arte. Não está a falar da obra de arte em si, mas simplesmente da tradução desse encontro, por vezes luminoso, numa outra linguagem, a maioria das vezes enlatada, desqualificada, por forma a ser acessível a um simples interessado (a maioria das vezes apenas pontualmente interessado). Do que você está a falar é de um resumo. Do que você está a falar é de consumo. Comida já mastigada. Porque, obviamente, não se traduz “democraticamente” a sequência vivêncial de alguém que tem a necessidade de se expressar metafóricamente, e que, de alguma maneira, faz sempre a narrativa da sua visão particular e individual do mundo, da vida e das coisas. Aquilo que lhe faz doer a barriga, entende?
Aliás, a esquerda, com o seu espírito historicamente científico e messiânico, nunca pôs os mesmos problemas da “democratização” àquilo que advém (históricamente) da corrente racionalista, cartesiana. Quando o meu amigo se propõe passar uma ponte, não está mínimamente interessado em conhecer todos os cálculos de engenharia subjacentes àquela ponte, pois não? Ela está lá, simplesmente. É susceptível de ser atravessada. É suposto que não caia. Poderá admirar a sua beleza, se a considerar bela. Poderá admirar o seu engenho se considerar que ele existe. Mas não precisa que lhe expliquem “democráticamente” o que a leva a estar de pé e a cumprir a sua função. A arte não é muito diferente disto. A verdadeira diferença é que a arte se opera no plano do desejo, não no plano da necessidade. E é, justamente, aí que passamos da área do colectivo para a área do individual.

 
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Ela está de pé nas minhas pálpebras


Foto de Jurgen Raidel


Ela está de pé nas minhas pálpebras
com os dedos nos meus entrelaçados.
Ela cabe toda em minhas mãos,
ela tem a cor dos meus olhos
e desaparece na minha sombra
como uma pedra sobre o céu.

Tem sempre os olhos abertos
e não me deixa dormir.
Os sonhos dela à luz do dia
fazem os sóis evaporar-se,
fazem-me rir, chorar e rir,
falar sem ter nada a dizer.

Paul Eluard in Algumas das Palavras.



Foto de Jurgen Raidel

terça-feira, 18 de janeiro de 2005

 
Correio da Huygens (...através da Cassini)




Mais duas imagens fantásticas da Huygens. A primeira, durante a descida. A segunda, é uma imagem conhecida mas já devidamente processada. Sabemos agora as distâncias das coisas e, consequentemente, as suas medidas, os seus tamanhos.




 
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Hoje em Nova York

Bill Viola: Five Angels for the Millennium
18 de Novembro


Bill Viola

Five Angels for the Millennium, é um dos trabalhos mais importantes de Bill Viola, pioneiro em video-art e é visto, pela primeira vez, hoje em Nova York no Whitney Museum. Five Angels for the Millennium é uma obra adquirida em 2002 pelo Whitney Museum, pela Tate de Londres e pelo Centro Pompidou, numa parceria internacional sem precedentes. Reconhecido como a figura mais importante do video-art, Bill Viola usa a imagem, o som e a música para criar narrativas sobre as experiências humanas primordiais: o nascimento, a morte, a natureza da consciência. O artista integra-se na história da arte ocidental não rejeitando influências espirituais do Sufismo islâmico e do Budismo.


Bill Viola

 
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Correio da Huygens (...através da Cassini)




Durante a descida, a Huygens, viu isto: Titan, os seus continentes, a sua atmosfera, o vento a soprar. Verdadeiramente um outro mundo. Familiar, no entanto. Porque é que já lhe chamamos mundo? Talvez porque aquilo que nos é familiar é mundo, ou seja, limpo. O contrário de imundo. A linguagem que utilizamos continua, em parte, a ser a mesma que foi utilizada nos Descobrimentos. E, neste caso, tal como no século XV, mundo é aqui muito mais um adjectivo do que um substantivo.


segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

 
JAZZ (2)


Matisse


Le bouquet

Dans une promenade au jardin je cueille fleur après fleur pour les masser dans le creux de mon bras l'une après l'autre au hasard de la cueillette. Je rentre à la maison avec l'ideé de peintre ces fleurs. Après en avoir fait un arrangement à ma façon quelle dèception: tous leur charme est perdu. Dans cet arrangement qu'est-ce qui est donc arrivé?
L'assemblage inconscient fait pendant la cueillette avec le goût qui m'a fait aller d'une fleur à l'autre est remplacé par un arrangement volontaire sorti de réminiscences de bouquets morts depuis longtemps, qui ont laissé dans mon souvenir leur charme d'alors dont j'ai chargé ce nouveau bouquet.
Renoir m'a dit: "quand j'ai arrangé un bouquet pour le peindre je m'arrête sur le côté que je n'avais pas prévu."

Henri Matisse in Jazz.



Matisse

domingo, 16 de janeiro de 2005

 
Obrigatório ver: Saraband


Saraband

Passaram cerca de 60 anos entre "Chove sobre o nosso amor" e "Saraband". Este poderia, de alguma maneira, ser a conclusão da história daquele. Com uma continuidade e coerência discursiva notável, Bergman, repõe aqui a mesma problemática de sempre: as relações humanas, a importância ou desimportância do encontro e do desencontro. Mas desta vez, tudo é filtrado pelo tempo. Esta é uma obra-prima sobre o tempo. Tempo que não é único. Que se constitui e organiza em múltiplos tempos qualitativamente diferentes. Tempo que, sessenta anos depois de "Chove sobre o nosso amor", filtra e valoriza alguns assuntos, da mesma maneira que desfaz, como papel debaixo de água, outros. Os relógios dão horas diferentes, tal como as gerações, tal como os desencontros. Em "Chove sobre o nosso amor", Bergman expõe a coincidência do encontro. Aqui, explica-nos o milagre do encontro Mas, tal como há sessenta anos atrás, há sempre um outro que não está presente. Anna, paradigma da sedução e do amor, já não está presente, estando sempre presente. Existe, não existindo. Como o tempo.



Saraband

 
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Correio da Huygens (...através da Cassini)

A Huygens, durante a sua descida através da atmosfera de Titan, enviou-nos som. Os sons de outro mundo. Aqui.

sábado, 15 de janeiro de 2005

 
Correio da Huygens (...através da Cassini)


Primeira imagem a cores da superfície de Titan. Atmosfera pesada, densa, antiga. Terra nova velha, muito velha.

 
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JAZZ



Matisse

Notes

Pourquoi après avoir écrit: "qui veut se donner à la peinture doit commencer par se faire couper la langue", ai-je besoin d'employer d'autres moyens que ceux qui me sont propres?
Cette fois j'ai à presenter des planches de couleur dans conditions qui leur soient les plus favorables. Pour cela, je dois les séparer par des intervalles d'un caractère différent. J'ai jugé que l'écriture manuscrite convenait le mieux à cet usage.
La dimension exceptionnelle de l'écriture me semble obligatoire pour être en rapport décoratif avec le caractère des planches de couleur.
Ces pages ne servent donc que d'accompagnement à mes couleurs, comme des asters aident dans la composition d'un bouquet de fleurs d'une plus grande importance.
LEUR RÔLE EST DONC PUREMENT SPECTACULAIRE.
Que puis-je écrire?



Henri Matisse in Jazz.



Matisse

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

 
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Correio da Huygens (...através da Cassini)



Começam a chegar. Ainda não processadas. Aquele mundo dantesco, à medida que a distância se vai encurtando, vai-se tornando mais familiar. Sabemos agora que a Huygens aterrou em terra firme, terreno rochoso, eventualmente num continente. A temperatura é altíssima mas isso só favorece as baterias da Huygens. Poderão durar sete horas.
Estranhamente, a Agência Espacial Europeia diz-nos que o que se vê nesta fotografia são blocos de gelo. O tamanho e a distância não se sabe, por enquanto.

 
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Correio da Huygens (...através da Cassini)





Primeira fotografia de Titan. Um novo mundo. A esta altitude parece uma descida ao Inferno de Dante. Mas poderá não ser. As próximas imagens dirão. Para já, é um mundo novo, uma terra nova e, como dizia um dos cientistas na conferência de imprensa, imagens que só vemos uma vez na vida: vinte e cinco anos de trabalho e projecto, sete anos de viagem. Nenhum de nós viverá o suficiente para se emocionar novamente com um mundo novo, terra nova.


 
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Correio da Cassini

Ainda esta noite haverá imagens de Titan.

 
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Correio da Cassini

Grande sucesso! Inesperadamente a Huygens continuou por mais duas horas a enviar sinal da superfície de Titan.

 
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Correio da Cassini

Os dados começaram a chegar!
Como alguém dizia na conferência de imprensa na NASA, ainda a decorrer, estes dados são históricos e para a posteridade. Tendo este projecto levado 25 anos a concretizar-se, provavelmente nenhum de nós voltará na sua vida a ver a descida de uma sonda em Titan.

 
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Correio da Cassini




Chegou! Sobreviveu à descida, está de boa saúde, transmite dados... tem 3 minutos de vida!



 
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Foto de Annie Leibovitz


"Se tu soubesses", disse Deus,
"como pode ser longa a eternidade
para alguém do meu género,
que governa sozinho e sem mais lei
que o seu capricho!
Perdoa-me se foi por diversão
que te deitei ao mundo, ó meu bípede
frágil e mole, tagarela e hipócrita...
Tu és para mim um passatempo,
como o besouro ou o arco-íris,
em que pus sete cores em vez de doze ou vinte.
Tomas-te a sério? Não o deves
pois acabo por matar as minhas criaturas,
tendo feras de mais
para açoitar, lá onde é o meu nada.
Confesso-te: tu és o meu preferido
entre os seres provisórios".

Alain Bosquet in O Tormento de Deus.


Foto de Annie Leibovitz

 
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Correio da Cassini

Alguns dados para quem se interessa pelo assunto: hoje, às 13,34 h. a Huygens tocará a superfície de Titan. Esta hora poderá ser adiantada ou atrasada cerca de 15 minutos pois não se sabe como é que na descida a atmosfera e os ventos de Titan afectarão a Huygens e os seus pára-quedas. A Huygens tocará a superfície de Titan a uma velocidade de cerca de 5-6 metros por segundo. A Huygens poderá "aterrar" num local rochoso, numa superfície de gelo ou em terra. Em qualquer dos casos a Huygens recolherá todas as informações da superfície durante os 3 minutos que lhe restam de "vida" após o contacto com Titan. Esses dados serão enviados para a Cassini que os recolherá, começando a reenviá-los para nós cerca de 3 horas depois, às 16,14 h. Todos estes horários são nomeados em tempo terrestre, ou seja, 67 minutos depois de realmente se terem verificado os acontecimentos.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

 
Correio da Cassini

Go Huygens!

É amanhã! Amanhã a Huygens descerá em Titan.

 
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Seus olhos sempre puros


Foto de Philippe Pache


Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos quebrados e de agulhas perdidas,
Dias de pálpebras cerradas ao horizonte dos mares
De horas sempre iguais, dias de cativeiro.

Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito está nu como o amor,
A aurora que ele esquece fá-lo baixar a cabeça
E contemplar seu corpo obediente e vão.

No entanto, eu vi os mais belos olhos do mundo,
Deuses de prata que traziam em suas mãos safiras,
Deuses verdadeiros, pássaros na terra
E na água, eu os vi.

Suas asas são as minhas, nada existe
Salvo o seu voo que sacode a minha miséria,
O seu voo de estrelas e de luz,
Rio, planície, rocha, o seu voo,
As ondas claras das suas asas

O meu pensamento sustentado pela vida e pela morte.

Paul Eluard in Algumas das Palavras.


Foto de Philippe Pache

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

 
Ela surge...


Foto de Joyce Tenneson


Ela surge - mas só à meia-noite, quando todos os pássaros brancos fecham as suas asas sobre a ignorância das trevas, quando a irmã das miríades de pérolas oculta as mãos na sua cabeleira morta, quando o triunfador se compraz na volúpia dos soluços, cansado das suas devoções à curiosidade, máscula e esplêndida armadura de luxúria. Ela é tão meiga que o meu coração se transforma. Eu temia as grandes sombras que tecem os tapetes do jogo e os vestidos, tinha medo das contorções do sol ao cair da noite, dos inquebrantáveis ramos que purificam as janelas de todos os confessionários onde as mulheres adormecidas nos esperam.
Ó busto de memória, erro de formas, linhas ausentes, chamas extintas dos meus olhos cerrados, estou perante a tua graça como uma criança na água, como um ramalhete de flores num grande bosque. Nocturno, o universo move-se no teu calor e as cidades de ontem têm gestos de rua mais delicados do que a flor do espinheiro, mais impressionantes do que a hora. A terra ao longe multiplica-se em sorrisos imóveis, o céu envolve a vida: um novo astro do amor desponta em todos os horizontes, e eis que os últimos sinais da noite se desvanecem.

Paul Eluard in Algumas das Palavras.

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

 
Correio da Cassini



A lua de Saturno, Iapetus, tem-se revelado surpreendente. Gelo, dióxido de carbono, material orgânico. A notícia é tão forte que merece a versão original da Nasa:

The three colors used in the mosaic correspond to 1.01, 3.21, and 3.80 microns. The different colors represent vastly different surface compositions. The upper bright blue region is rich in water ice, while the lower, dark brown region is composed mainly of a substance rich in organic material. The yellow region consists of a mixture of ice and organics, suggesting a gradual change in composition on the surface. This pattern suggests Iapetus swept up the dark material, which may have come from debris created from meteoritic impacts onto the small, outer satellites of Saturn.

 
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Foto de Loic Peoch

"O real está perfeito", disse deus:
"come-se apimentado,
veste-se, de lãzinha,
e em camisa de seda.
Mas eu quero oferecer-vos qualquer coisa
algo mais divertido:
o sonho, e aquilo que o destrói,
a ausência, que torna mais queridas
as coisas muito vistas.
Será difícil?
Reparem no real: é repintado,
é recolado, vende-se em saquinhos,
sabão em pó,
e veneno de ratos."

Alain Bosquet in o Tormento de Deus.


Foto de Loic Peoch

 
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Os professores

Já de si, a vida dos professores não é fácil. Para já, os outros grupos sociais têm-lhes um desprezo latente. Este deve-se ao facto de nunca terem abandonado o sistema escolar para se afirmarem na vida fora do mesmo. Após o tempo da escola, transferem-se para uma universidade, de onde regressam à escola para se tornarem funcionários públicos. Semelhante percurso pode ser interpretado como sinal de medo perante a vida, e de incapacidade. Para além disso, qualquer um de nós se recorda com especial precisão dos professores que no nosso tempo de escola fizeram figuras deploráveis. Isso aumenta o desprezo. Acresce que os professores têm uma determinada doença profissional: lidam, dia após dia, com adolescentes e crianças; assim, é inevitável que facilmente se tornem infantis. Um contacto permanente tem os seus reflexos no estilo comunicativo do lado oposto: esta é uma lei social. Os professores são, por isso, facilmente capazes de se exaltar com coisas secundárias e de fazer de uma mosca um elefante.
Mas este desprezo é injusto face a uma tarefa que nem um gestor experiente, nem um empresário com nervos de aço haveria de aguentar durante uma manhã sem pensar em fugir: nomeadamente a de levar uma horda de selvagens sem interesse na aprendizagem, mal-educados e habituados ao entretenimento televisivo a interessarem-se pela sublimidade do Idealismo enquanto estes não pensam noutra coisa senão organizarem ataques à dignidade do professor. Ninguém fora do recinto escolar faz uma pequena ideia deste combate diário contra a insolência pura e simples, a maldade sádica e a crueza mental. E o que é pior é que o professor ainda por cima tem de suportar que lhe sejam apontadas responsabilidades pela rudeza e falta de educação dos seus alunos: ele próprio tem a culpa; ele é que não tem mão na turma, os alunos não curtem as suas aulas, pelo contrário, sentem-se maçados. Quem souber, venha daí e diga como é que alguém há-de pôr os miúdos a curtir a "Ifigénia" de Goethe; já ninguém espera da miudagem que traga de casa um mínimo de civilização. O seu comportamento é unicamente imputado às aulas, ao passo que na realidade padecem de falta de capacidade de concentração e de défices educacionais de fabrico caseiro.
Nesta situação, os ministros da cultura e as administrações escolares, cujos representantes mal devem conhecer a situação nas escolas por experiência própria, retiraram aos professores a maior parte dos meios disciplinares, de modo que agora existe uma desigualdade de armas absoluta. Castigos como repreensões, admoestações, notificações aos pais e - no caso de faltas graves - a ameaça de exclusão ou a exclusão efectiva da escola encontram-se tão cercados por regulamentos, requerimentos, votações e reuniões escolares que qualquer professor prefere prescindir delas: com todo este aparato, ele castigar-se-ía sobretudo a si próprio. Como os alunos estão a par disso, ainda fazem troça dele.
Ora, como os professores são oficialmente culpados pelos seus próprios problemas, são empurrados para a via da mentira; fazem segredo das suas próprias dificuldades. Um discurso público (troca de pensamentos e opiniões) em que os seus problemas pudessem ser descritos não existe. Deste modo quebra-se a solidariedade entre os professores, que passam a concorrer uns com os outros com uma mentirosa política de imagem pública. Fingem-se bem sucedidos e fazem de conta que não têm problemas. Na realidade, muitos de entre eles encontram-se profundamente desmoralizados. Tanto mais assim é, se em tempos compartilharam ideais educacionais de esquerda. Na sua própria perspectiva falharam logo duplamente e têm de escamotear essa realidade para assegurarem a sua sobrevivência psíquica.
Entretanto as escolas tornaram-se quase por completo presas dos partidos políticos. São poucos os postos de director de escola ocupados sem se olhar à filiação partidária dos candidatos. O partido que se encontra no governo do respectivo Estado serve-se da política de ensino para ter alguma coisa para apresentar na próxima campanha eleitoral: uma nova medida, uma nova concepção apaixonante, um novo rótulo interessante. Deste modo, a escola, que necessita de poder fazer planificações a longo prazo, é mantida em ebulição por sucessivos inventos-fantasma: aulas interdisciplinares, projectos, novas constituições escolares, modelos de gestão partilhada, formas de envolver os pais sucedem-se uns aos outros e gastam o ar rarefeito da esperança pela sua própria fragilidade.
Em resumo, as escolas estão num estado tão lastimável que a miséria permanece completamente desconhecida, visto a sua dimensão ser inconcebível.
Isto não significa que não existam, aqui e ali, escolas funcionais, directores empenhados e professores bem sucedidos, assim como alunos medianamente felizes. Talvez até existam bastantes. Mas as escolas assim já não são a regra, passando as outras por excepções; antes, as escolas do horror são consideradas tão normais como as outras.
Tal estado de coisas deve-se ao facto de se terem perdido as referências. Já não se sabe o que se deve ensinar, e com que finalidade. Uma vez que os antigos cânones da educação escolar parecem ser redutores e caducos, desistiu-se das normas por completo. Aqui é que reside o erro.

Dietrich Schwanitz in Cultura.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

 
Cinza


Foto de Mario Vidor


O quarto de um hotel, igual a tantos.

A hora sem metáfora, uma sesta
que nos dissolve e perde. Esta frescura
da água elementar pela garganta.
A névoa suavemente luminosa
que envolve sempre os cegos, dia e noite.
A morada de alguém talvez já morto.
A dispersão do sono e a dos sonhos.
Aos nossos pés um vago Reno ou Ródano.
Um mal-estar já desfeito. Algumas coisas
demasiado ínfimas pròs versos.

J.L.Borges in Os Conjurados, 1985.

domingo, 9 de janeiro de 2005

 
Uma personalidade

sempre nova, sempre vária, o amor
dos sexos confundidos na sua con-
tradição, surge continuamente da
perfeição dos meus desejos. Qual-
quer ideia de pose lhe é forçosa-
mente estranha.


Nem sempre tenho coragem de pensar no dia seguinte
Não sou uma espada que num só golpe confunde vida e morte
Já vi grandes homens satisfeitos já conheci sonhadores pontuais
Esfolados vivos resplandecentes de dignidade homens com mãos que não eram embaladoras
Mas sim relógios de nascença
Mulheres incomunicáceis
Crianças sem idade
Diante do meu prato cervical
Davam largas ao apetite
Nada ofereciam em troca

Viviam assentes no seu próprio fundo
Interrompo com um gesto todas estas más recordações
Que põem a noite de vigília
Já me falta experiência
Outras moscas se afundam no escuro do meu coração
Os braceletes de um beijo à volta de um braço interminável
A rosácea da embriaguez sobre o bico de um seio
O redemoinho dos olhares envergonhados não me causa vergonha
Beijo fervorosamente a carne das árvores sob a casca
Busco no seio da terra as labaredas da chuva
As ágatas do calor

As minúsculas sementes de um sol de Inverno
Com odor de cinza e cor de lis
Irisadas perquisas a coberto da ignorância
Que me libertaram dessa morada onde a poeira
Perdura por modéstia por amor à ordem
Há demasiados buracos demasiados trilhos
No caminho do regresso
Aprendo jogos que não mais têm fim
Jogos de quebrar com tudo
Cantos que rasgam as cortinas da altura
Regressar seria uma queda esmagadora

Coroada pelos seus olhos
Eis a mais preciosa das cabeças
Pequena de aparência e jovem
Estamos frente a frente nada nos é invisível
Perpétuo delírio já tudo dissemos um ao outro
E tudo nos resta para dizer

Vacilas numa carícia em arco

No nosso espelho de duplo coração
Nossos desejos construirão teu corpo
Um corpo como a sede dos pássaros
Barco do veludo da tempestade
Géiser de mãos dementes
Arma contra o hábito

Que peso tem um vidro que é quebrado
As espigas da tua nudez correm-me nas veias
O breve sopro do âmbar no vazio
O arrepio dos sulcos sobre um abismo
O sangue já não larga a sua presa
A sua razão de ser vida presente
Toda a confiança
A que me mentia à múltipla
A que ao desfalecer aceitou a verdade
A verdade que eu lhe ensinava
A triste e doce verdade
De que o amor se parece com a fome com a sede
Mas nunca chega a saciar-se
Bem pode ganhar corpo sair de casa
Sair da paisagem
O seu leito é o horizonte

Como é que a minha vida dizia ela
Outra fui eu própria
Uma na vida outra em mim própria
E eu os outros
E contudo o meu corpo o meu rosto os meus olhos
O que eu vi
Ou melhor o que os outros viram
O que tu vês

Vi o sol abandonar a terra
E a terra povoar-se de homens e mulheres adormecidos

Vi voltar-se a ampulheta do céu e do mar
A ampulheta de um vestido a cair
E de um corpo nu a erguer-se
Porta aberta o ar é rei
Canta muito alto em toda a parte
Prende-se uma cepa ao vento
As paredes carregam-se de espaço
De transparente solidão

Vi uma mulher olhar para o filho recém-nascido
Como uma telha solta de um telhado
Uma criança a adiantar-se ao homem

Vi o meu melhor amigo
Abrir nas ruas da cidade
Em todas as ruas uma noite
O extenso túnel do seu desgosto
E oferecer a
Todas as mulheres
Uma rosa privilegiada
Uma rosa de orvalho
Igual à embriaguez de ter sede
Humildemente lhes pedia
Que aceitassem
Esse pequeno miosótis
Rosa resplandecente e ridícula
Na sua mão inteligente
Na sua mão em flor
O medo a opressão a miséria
Dos risinhos
Em vez de um riso apaixonado
Que transportasse para o dia de amanhã
Todas as mulheres mulher nenhuma
Essa noite inesgotável
O dia seria uma desconhecida
Ou uma morta

Em seus seios em seus olhos haviam erguido
A cidade pesada e feia
Sua cabeleira um escudo
Já desfeita extinta
Sua cabeleira uma multidão dispersa
Pelo horror das ruas inúteis

Eu vi nascer o imperceptível
A noite sonhada.

Paul Eluard in Algumas das Palavras.

sábado, 8 de janeiro de 2005

 
Símbolos da Trindade no homem


George Segal, 1965.


XI, 12. Quem poderá compreender a Trindade omnipotente? E quem não fala dela, se é que dela fala? Rara é a alma que, ao falar dela, sabe o que diz. E discute-se, e contesta-se, e ninguém, sem paz, vê essa visão. Quisera que os homens observassem em si mesmos estas três coisas. Essas três coisas são muito da Trindade, mas digo onde se podem exercitar e verificar e sentir como ainda se encontram tão longe. Nomeio no entanto estas três coisas: ser, conhecer e querer. Eu sou e eu conheço e eu quero: eu sou "sabente" e "querente", e eu sei que sou e quero, e eu quero ser e saber. Quão inseparável é, pois, a vida nestas três coisas, vida una, e mente una, e essência una, finalmente quão inseparável é esta distinção, e todavia há distinção, veja-o quem puder. Sem dúvida alguma está diante de si; observe-o em si, veja-o e diga-me. Mas, mesmo se nestas três coisas encontrar e disser alguma coisa, não julgue ter já encontrado aquilo que é imutável acima dessas coisas, porque é imutavelmente, e sabe imutavelmente, e quer imutavelmente: e quem poderá pensar com facilidade se é em virtude destas três coisas que também em Deus há Trindade, ou se, em cada uma delas, estão as três, de tal modo que as três estejam em cada uma, ou se ambas as hipóteses se realizam, de modo extraordinário, na unidade e na multiplicidade, sendo ele próprio um fim em si mesmo, para si, infinito, pelo qual o Ser é, e é de si conhecido, e a si mesmo se basta, inalteravelmente, na inesgotável grandeza da unidade? Quem, de qualquer modo, o poderá temerariamente formular?

Santo Agostinho in Confissões, Livro XIII.

 
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Correio da Cassini



Frio. Muito frio. Verdadeiramente assustador. Aquela escarpa na superfície da lua Iapetus tem 15 Km de altura.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

 
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Correio da Cassini



No dia 2 de Janeiro, a Cassini orbitando acima dos anéis, enviou-nos uma imagem de Mimas. Uma semana depois, envia-nos outra da pequena lua mas de outro ângulo. Magnífico sentido de composição tem esta Cassini...

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